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PL 5069: Meu corpo, as regras dos outros

MOMENTO LIFETIME
Por Lifetime Brasil el 23 de July de 2022 a las 00:30 HS
PL 5069: Meu corpo, as regras dos outros-0

Nas últimas semanas, todo mundo no Brasil deve ter ouvido falar do Projeto de Lei número 5069, de autoria de 13 deputados federais, entre eles o presidente da Câmara, Eduardo Cunha. A explicação de sua ementa, no site da própria Câmara dos Deputados, é que este é um PL que "tipifica como crime contra a vida o anúncio de meio abortivo e prevê penas específicas para quem induz a gestante à prática de aborto".

 

Desde que este projeto foi desarquivado (eu falo sobre isso no final), alguns dos seus apoiadores tentaram justificar suas motivações para a criação desta alteração na Lei de Atendimento às Vítimas de Violência Sexual (Lei 12.845/13). Um dos principais motivos é que estes homens alegam que há mulheres inventando estupros para realizar o procedimento abortivo no SUS - que hoje é permitido legalmente caso a mulher declare que a gestação é fruto de um estupro. Atualmente, basta a palavra da gestante, não há necessidade de comprovação ou comunicação à autoridade policial.

 

O que estes homens propõem é que seja exigido da grávida a partir de um estupro um exame de corpo de delito e a realização obrigatória do boletim de ocorrência. Antes até mesmo do atendimento médico! Estes homens alegam que, assim, querem proteger as mulheres, criando investigações oficiais que colocariam os agressores em julgamento. Parece simples, não é mesmo? Mas não é.

 

A partir desta lei, proposta por homens, os agentes de saúde teriam não o direito, mas a obrigação de não realizar o aborto no caso de estupro se não existir um boletim de ocorrência que o corrobore. Olha o absurdo: a omissão de socorro ficaria legalizada! É como se recusar a atender uma pessoa baleada caso ela não tenha passado por uma delegacia antes e venha pro hospital acompanhada do BO. E não precisamos chegar ao aborto em si. Um médico poderia ser criminalizado, por exemplo, apenas por “instruir”, “orientar” ou “prestar auxílio" quando o assunto é o desejo ou necessidade da mulher de abortar.

 

Retrocesso? "Manda mais que tá pouco", devem ter pensado os nobres homens deputados. O texto do PL ainda diz que também podem ser criminalizados quem disponibilizar para a gestante qualquer substância que possa induzir o aborto. Assim simplesmente. O texto é tão absurdamente vago que dá margem para alguém interpretar, por exemplo, que a pílula do dia seguinte é abortiva e proibi-la. O projeto dá poder ao farmacêutico para se recusar a vendê-la caso isso "viole a sua consciência".

 

Uma lei como essa JAMAIS poderia ser escrita por homens. Jamais. Homens não conhecem o horror de um assédio, de uma violência sexual, de um aborto. Homens não sabem como é aterrorizante ser desacreditada em casos assim. E aí decidem tirar direitos das mulheres, retroceder nas (poucas) conquistas que já tivemos. 

 

O corpo é das mulheres, mas as regras sobre esse corpo cada vez mais são dos homens. Eles que querem decidir o que podemos ou não fazer com o nosso corpo. E ainda deixar escrito 'em pedra' que a palavra de uma mulher por si só não é legítima, não vale nada.

 

Esta seria uma forma oficial de discriminar ainda mais a mulher. Para a mulher que lida com as consequências de uma violência sexual, é praticamente um segundo estupro, só que da lei. Como minha mãe, que é advogada, sempre costuma dizer: existe lei e existe justiça e nem sempre elas se encontram. E, claro, não podemos aceitar isso! Não seremos derrotadas por estes homens, porque vamos (eu tenho certeza disso) lutar muito para fazer esta pauta cair. As mulheres já começaram a ir pra rua, já estão ganhando algum destaque na mídia para lidar com esse assunto e, agora que começou, não vai parar.

 

Se você bem percebeu, eu citei várias vezes que eram homens envolvidos num assunto que deveria ser de mulheres. Isso porque eu quero também destacar a sub-representação feminina na Câmara brasileira: apenas 10% das cadeiras são ocupadas por mulheres. E no caso da Comissão de Constituição e Justiça, esta porcentagem é ainda menor, com apenas 3% de mulheres entre os 66 deputados titulares. Como essas mulheres, em número tão mínimo, podem conseguir bater de frente com a agenda da bancada evangélica, por exemplo? Se nós, mulheres, somos metade da população do Brasil, por que nós mesmas não votamos em mulheres? Isso é uma questão política séria.

 

A outra é a que prometi comentar logo no inicio deste texto. O PL 5069 foi apresentado em 2013 - e, por algum motivo, arquivado. Daí quando começaram a pipocar denúncias de corrupção sobre Eduardo Cunha, o deputado fez o que faz de melhor: tirou de sua cartola um projeto polêmico, para tentar desviar a atenção pública dos seus próprios erros. Outro objetivo é também ganhar mais apoio político para manter seus privilégios, agradando as facções a quem interessam essas pautas.

 

Se tudo isso junto não te assusta, amiga, deveria! Não podemos perder direitos! Temos que lutar cada vez mais pelo poder sobre nós mesmas e sobre nossos corpos.

 


 

Carol MaglioCarol Maglio é a blogueira conhecida como Pãozim De Queijo, além de produtora audiovisual, apresentadora de TV, modelo plus size e especialista em mídias sociais.
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